terça-feira, 24 de abril de 2012

REVER N.2 DEZ. 2011.

Este número traz na sessão temática sete artigos que discutem as modalidades de transplantação religiosa e adaptação cultural da herança espiritual japonesa nos países que acolheram seus imigrantes, principalmente no Brasil. As reflexões levam em conta, além de considerações históricas, aspectos relacionados à dinâmica da “exportação” de religiões japonesas para outros países, problemas relacionados ao processo de imigração japonesa bem como teoremas e conceitos como os do “hibridismo”, do “sincretismo” e, sobretudo, da “transplantação religiosa”.

domingo, 22 de abril de 2012

Entrevista com Frank Usarski

Em 2009 a Idéias e Letras publicou "O Budismo e as outras: Encontros e desencontros entre as grandes religiões mundiais", do primeiro professor livre Docente do Brasil em Ciências da Religião Dr. Frank Usarski. O livro trabalha não só através de uma perspectiva histórica mostrando o diálogo do Budismo com as outras religiões, mas também mostra um dinâmica de construção de uma religião pela ótica da Ciências da Religião, só estes dois aspectos valeriam para tornar a obra um trabalho inédito de qualidade intelectual. Qualquer pessoa que se interessa pelo estudo das Religiões deveria lê-lo, além de sua abordagem única, vale dizer que o autor é um dos grandes pesquisadores do tema, fazendo parte da vanguarda em âmbito mundial, enfim uma leitura recomendada aqueles que se interessam por Religião e História. Abaixo segue talguns trechos da entrevista do professor feita por Moisés Sbardelotto a IHU online de 21/06/2010.


IHU On-Line – Em um dos capítulos do livro, o senhor fala de “divergências substanciais” entre o Budismo e as demais religiões mundiais. Em linhas gerais, quais seriam elas?

Frank Usarski – Há alguns temas recorrentes no diálogo entre o Budismo e o Hinduísmo, Judaísmo, Cristianismo e o Islã. O tema mais frequente é o do teísmo nas tradições não-budistas que o Budismo vê como um ponto crítico. Outros assuntos são mais específicos e têm sido abordados em diálogos com uma das quatro religiões acima mencionadas. Quanto ao Cristianismo, por exemplo, o Budismo tem dificuldades de atribuir a Jesus Cristo um status divino que ultrapassa sua apreciação “apenas” como um mestre espiritual. Além disso, uma retrospectiva revela que determinados tópicos ganharam uma relevância maior em certos momentos históricos. Para citar novamente o Cristianismo, budistas europeus do início do século XX criticavam fortemente a presença de missionários cristãos em países como China ou Birmânia e o impacto “destrutivo” das respectivas atuações sobre a cultura budista local.

IHU On-Line – O senhor afirma que há “um preconceito fortemente enraizado no senso comum [de] que ‘bem lá no fundo’, no âmago, todas as religiões partem dos mesmos princípios, têm objetivos semelhantes e se unem no desejo de harmonia e de paz no mundo”. Nesse sentido, é possível uma ética mundial, como  defende Hans Küng?

Frank Usarski – Como cientista da religião interessado na comparação das religiões, tenho problemas com a ideia ingênua de que todas as religiões querem a mesma coisa e compartilham uma essência comum. Ao mesmo tempo, concordo com a busca de Hans Küng  para uma ética mundial. Mas esta só pode der construída a partir do reconhecimento das particularidades, da integridade e da dignidade de cada um dos interlocutores envolvidos. Caso contrário, acontecerá o mesmo que ocorreu com os chamados “direitos humanos universais”. A respectiva declaração foi lançada em 1948, portanto, em um momento no qual países ocidentais representavam a maioria dos membros da ONU. Depois da descolonização e da entrada de países recém emancipados, foram articuladas dúvidas sobre a “universalidade” dos valores oficialmente sancionados. O resultado foi que, em 1981, a Organização para a Unidade Africana lançou a chamada “Carta de Banjul dos Direitos Humanos”, que representa uma reformulação dos direitos “ocidentais” de 1948. O mesmo vale para Declaração de Cairo de Direitos Humanos pela XIX Conferência Islâmica dos Ministros Exteriores em Cairo (1990). Isso significa que há partes do mundo insatisfeitas com a versão oficial dos Direitos Humanos, uma vez que os últimos não refletem as experiências historicamente acumuladas por povos localizados em partes “não-ocidentais” do mundo.  É obvio que uma ética mundial deve transcender essas frentes. Mas isso só pode acontecer quando as vozes de todos os interlocutores têm o mesmo peso. O primeiro passo nessa direção é o reconhecimento do fato de que há muitas plausibilidades em jogo e de que muitas das diferenças têm suas raízes em doutrinas religiosas distintas e em alguns pontos inconciliáveis.

IHU On-Line – Pode-se dizer que o Budismo é uma religião tolerante em relação com as demais? Quais seriam os limites e possibilidades de diálogo entre o Budismo e as demais religiões mundiais?

Frank Usarski – O Budismo desfruta uma imagem muito positiva. Muitos o veem como a mais pacífica dentre as grandes religiões. Em minha opinião, a doutrina budista tem esse potencial. Porém, nenhuma religião nasce e se desenvolve em um vácuo, e poucos dos seus representantes são santos, mas sim sujeitos a tentações “mundanas”. Há momentos na história que demonstram que o Budismo também é vulnerável nesse sentido. Isso vale, por exemplo, para a instrumentalização de instituições budistas locais por parte do governo japonês em função da perseguição violenta de cristãos no país a partir de 1631. Mas, ao longo da história, e comparado com as duas outras religiões universais, isto é, o Islã e o Cristianismo, o Budismo pode ser considerado uma religião norteada, sobretudo, pela ideia de convivência pacífica.